
Como deve ser a alimentação para quem tem autismo?
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por dificuldades nas habilidades sociais e comportamentais, além de sintomas gastrointestinais, intolerâncias alimentares e deficiências nutricionais. Assim, surge a necessidade de entender como deve ser a alimentação adequada para pessoas com autismo, considerando as estratégias discutidas pela ciência para orientar a dieta desses indivíduos.
Alimentação natural para quem tem autismo
O consumo de alimentos naturais tem sido associado à prevenção e manejo do autismo. As abordagens dietéticas atuais sugerem evitar ou eliminar agentes que podem estar relacionados ao TEA, como aditivos alimentares (conservantes, corantes, adoçantes artificiais), pesticidas, organismos geneticamente modificados e o alto consumo de açúcar e alimentos refinados. Ao invés disso, recomenda-se uma dieta baseada em alimentos orgânicos, sem aditivos químicos, priorizando alimentos frescos e in natura, como vegetais, frutas, nozes, sementes e proteínas de origem animal.
Para seguir esse padrão alimentar, é aconselhável adotar os 10 passos para uma alimentação adequada e saudável, conforme apresentado pelo Guia Alimentar da População Brasileira. É importante ressaltar que muitos pacientes com autismo apresentam seletividade alimentar, mostrando preferência por alimentos ultraprocessados e bebidas adoçadas. Portanto, mudanças graduais na dieta e a aplicação de estratégias de educação alimentar e nutricional são essenciais para ajudar o indivíduo com TEA e sua família.
Consumo de prebióticos e probióticos
Estudos crescentes indicam que a microbiota intestinal desempenha um papel significativo no desenvolvimento e funcionamento do sistema nervoso, através do eixo intestino-cérebro. A disbiose, que é comum em pacientes com autismo, pode contribuir para o surgimento de sintomas gastrointestinais e comportamentais. Assim, diversas pesquisas sugerem que a ingestão de prebióticos e probióticos pode ser uma estratégia eficaz no manejo do TEA.
Os probióticos, especificamente, podem ajudar a:
- Restaurar o equilíbrio microbiano;
- Tratar a inflamação intestinal;
- Estimular a imunidade da mucosa;
- Atenuar sintomas gastrointestinais, como constipação, diarreia e dor abdominal;
- Melhorar o comportamento social.
Embora a suplementação de probióticos seja uma opção, eles também podem ser obtidos através da alimentação. Contudo, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) ressalta que são necessárias mais evidências para compreender plenamente o papel dos probióticos na disbiose intestinal de indivíduos com autismo.
Atenção aos micronutrientes
A deficiência simultânea de várias vitaminas pode ser uma das causas da disbiose intestinal em pessoas com autismo. Além disso, o desequilíbrio microbiano pode reduzir os níveis de produção de vitaminas no intestino. É comum que indivíduos com TEA apresentem deficiências de vitaminas e minerais, com relatos de baixos níveis de vitaminas D, B6, B12 e folato. A seletividade alimentar e a neofobia alimentar, frequentemente observadas neste público, podem agravar essas deficiências.
Estudos indicam que a vitamina C é crucial para o desenvolvimento cerebral e possui propriedades antioxidantes. Sua deficiência pode agravar os sintomas do autismo. Assim, a suplementação de micronutrientes surge como uma estratégia promissora. Pesquisas demonstraram que a suplementação de ácido fólico pode melhorar a comunicação verbal, enquanto o aumento dos níveis de vitamina C pode reduzir significativamente o estresse oxidativo. Portanto, é fundamental monitorar os níveis laboratoriais de micronutrientes em pacientes com TEA. Em caso de deficiências, a alimentação e a suplementação devem ser ajustadas como estratégias complementares.
Dietas sem glúten e sem caseína (SGSC)
A eliminação conjunta de glúten (proteína encontrada em grãos como trigo, centeio e cevada) e caseína (proteína presente no leite e produtos lácteos) tem sido sugerida como um tratamento nutricional para pacientes com autismo. Acredita-se que a degradação incompleta da caseína e do glúten resulte na formação de peptídeos opiáceos, que podem desencadear inflamação e respostas imunológicas. Com o intestino permeável, comum no autismo, esses peptídeos entram na corrente sanguínea e afetam processos no sistema nervoso central, potencialmente exacerbando comportamentos estereotipados e dificuldades de fala.
Um estudo randomizado demonstrou que uma dieta livre de glúten e caseína, acompanhada de suplementos, melhorou o estado nutricional e o quociente de inteligência não verbal na maioria dos indivíduos com TEA. No entanto, a SBP adverte que dietas de exclusão devem ser seguidas apenas por pacientes com diagnóstico clínico de doença celíaca, intolerância ao glúten não celíaca, alergias alimentares ou outras intolerâncias.
Dieta cetogênica
A dieta cetogênica é rica em gorduras, adequada em proteínas e pobre em carboidratos, promovendo o uso de gordura como fonte primária de energia. Sugere-se que essa dieta possa alterar a composição microbiana intestinal e, consequentemente, melhorar sintomas neurológicos do TEA. Relatos de casos indicam aumentos no quociente de inteligência, melhorias nas funções cognitivas e de linguagem, além de avanços nas habilidades sociais e redução de convulsões. Apesar dos resultados promissores, os estudos sobre a relação entre autismo e dieta cetogênica apresentam limitações, incluindo riscos de inflamação e disfunção mitocondrial e efeitos adversos como constipação e refluxo.
Assim como a dieta sem glúten e sem caseína, a dieta cetogênica também apresenta riscos associados à restrição alimentar, o que pode impactar negativamente a nutrição e o desenvolvimento neuropsicológico do paciente.
Dieta de carboidratos específicos (SCD)
Algumas pesquisas sugerem que o autismo pode estar relacionado à má digestão de carboidratos complexos, levando ao crescimento de microrganismos patogênicos e à produção de ácido D-lático, um subproduto da fermentação bacteriana. A dieta de carboidratos específicos busca mitigar os sintomas dessa má absorção, inibindo o crescimento de patógenos bacterianos e fúngicos. Essa dieta restringe o consumo de amidos, laticínios, açúcares e alimentos processados, substituindo-os por carboidratos simples como frutas, vegetais, mel, nozes, carnes, ovos e algumas leguminosas. Estudos indicam que essa abordagem pode melhorar sintomas gastrointestinais e comportamentais, embora ainda faltem evidências concretas sobre sua eficácia.
Cuidado com a restrição alimentar
Apesar dos resultados promissores de algumas estratégias alimentares, é crucial que intervenções dietéticas, incluindo suplementação e modificações bruscas na dieta, não sejam adotadas indiscriminadamente em casos de TEA. Ao implementar mudanças na dieta, é vital considerar o risco de exclusão de determinados alimentos, uma vez que os pacientes com autismo já tendem a apresentar padrões alimentares seletivos. É importante lembrar que não existem curas milagrosas para o autismo, mas sim a possibilidade de redução dos sintomas. Assim, tais estratégias devem ser vistas como complementos às terapias tradicionais, e não como substituições. Uma abordagem multidisciplinar, colaborando com outros profissionais da saúde, é essencial para garantir uma melhor qualidade de vida para indivíduos com TEA.
Referências
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